CARTA PARA SANTO
Gostaria de um pretexto para retornar às cartas, e não havia correspondência, senão investimentos pretensiosamente intencionais, a reiterada incompreensão da dimensão poética e política dessa escrita, quando não da própria vida, sem palavras. Agora mesmo, sou prudente ao escrever-te, em virtude da ética imoral que nos conduz, da estética de um silêncio habitual, dos rituais para abrir corpo fechado e, também, do seu inverso, dos banhos de lua nova que tornarão ainda mais amorosa a nossa fúria e ainda mais confiante o nosso pacto. Houve uma tarde em que as nossas diferenças foram compostas em A Flor e a Terra, pelo poder afetivo da arte, caía uma chuva intensa que tornava ainda mais aventurosa a poesia, os meus gestos pareciam pequenos aos seus gritos que soavam como os trovões de Estamira, profecias de um anjo maldito. Haveríamos de nos encontrar em feiras, terreiros e cabarés, cumprimentar Gisbertas, Tietas e Genis, plantar girassóis na Rio-Bahia, fumar ervas em cachimbos da guerra e da paz, pintar o corpo com o corte rubro do nosso mesmo sangue, brindar em cálices sagrados, caminhar por madrugadas desérticas como gatos vadios, celebrar a vida, a morte, o prazer, a dor, a liberdade como uma condição do amor, experimentar a melancolia da tragédia, os apelos do drama, escutar os conselhos de Maria. E não mataremos, embora saibamos que não haverá justiça enquanto isso for uma ilusão do Direito, um ideal transcendente. As flores de domingo anunciam primavera e nos recordam de que só os encontros são reais e podem nos surpreender, a cada dia. Receba o meu abraço fraterno.
Morgana Poiesis, 2015.
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