CAMPO MINADO ou POR QUE ESCREVO PARA MULHERES?
Muitas vezes sou questionada sobre restringir minhas correspondências às mulheres. Em primeiro lugar, como escritora, sou livre para escolher minhas destinatárias. Mas não foi sempre assim, e venho trazer alguns relatos desse percurso. Quando iniciei meu projeto epistolar, há exatos 10 anos, tive minha primeira carta, declaradamente pública, censurada pelo suposto destinatário. Apesar disso, consciente dos meus propósitos literários, rompi o veto do censor, e resolvi publicá-la como Esquizocarta ou Carta para um Anônimo (que hoje seria Ninguém), dando início ao que se tornaria uma longa caminhada. Outra vez, recebi uma carta de um poeta, destinada a mim, porém, enviada para um amante, com cópia para ele, como se fosse uma petição. Novamente fiquei furiosa ao ter minha autonomia sendo colocada em xeque pelo acordo tácito entre os homens, de que eu poderia ser representada por quem me acompanhava naquele momento. Eventualmente, por questões estritamente profissionais, sou levada a quebrar meu protocolo, e abrir exceções à atual restrição de gênero. No entanto, quando comento que escrevi para um geólogo ou um médico, por exemplo, cria-se uma atmosfera de insinuações, como se eu houvesse cometido um crime moral. Recebo isso como mais um golpe do patriarcado, que fere profundamente minha liberdade de expressão. De fato, a sociedade não admite que uma mulher possa escrever muito mais do que cartas de amor, antes, pensamentos sobre arte, ciência, política ou filosofia, e ser correspondida nesses termos. Diante de tantos constrangimentos sociais, restringir meu círculo epistolar foi uma resposta ativa ao silenciamento cultural, até mesmo uma estratégia narrativa para poder continuar escrevendo, sem sofrer esse tipo de violência simbólica. Hoje, quando digo que troco cartas com outras escritoras, nosso foco de interesses parece mais claro para os outros do que para mim mesma. Sinto alívio por ter encontrado um caminho viável para essas correspondências, e, ao mesmo tempo, desânimo, ao saber que vivemos em um mundo onde o diálogo entre mulheres e homens, quando existe, se configura, ainda, como um campo minado.
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