UM RELATO DE SORORIDADE NO DIA DAS POETAS
Gostaria de relatar mais um caso de sororidade do que de assédio. Participo de cinco grupos de literatura pelo whatsapp, apenas cinco, os quais considerava bem selecionados. Sendo quatro exclusivos de escritoras, e um heterogêneo, denominado Grupo de Escritores Conquistenses, do sertão baiano, de onde venho. Fui convidada por uma das escritoras desses grupos exclusivos, a colaborar com uma coletânea que está sendo organizada pelo Dia dos Finados. Assim, compartilhei com ela e demais grupos, no exercício democrático da literatura a que nos propomos, um texto denominado Carta para a Madame Silenciosa, que escrevi há 10 anos atrás, na qual elaborava meus lutos pelo encantamento de pessoas que me constituíram. Compartilhei também um áudio em que leio a carta sussurrada, de forma quase silenciosa, e não eloquentemente, seguindo os tons da performance artística Poemas e Sussurros, que desempenhava na mesma época. Então, um dos escritores desse único grupo heterogêneo que ainda esperançava participar, denominado Adalberto Farias, não exitou em declarar que minha performance era “sexy”. Mais uma vez, vi meu talento reduzido à sexualização masculina, e provoquei esse debate no grupo, referenciando, inclusive, a violência cibernética de gênero e a legislação brasileira a respeito. Convidei as demais escritoras e escritores do grupo a se posicionarem. Os posicionamentos masculinos apresentavam argumentos inconsistentes e justificativas estruturais, até logo mudarem de assunto, ao cumprimentarem uns aos outros pelo Dia do Poeta. Com as escritoras mais ativas desse grupo, especialmente em outro grupo exclusivo de mulheres que foi criado paralelamente a partir desse maior, denominado Elas escrevem, tive o apoio necessário para escrever este relato. Em nossas conversas sobre o fato ocorrido, que constrangeu a todas, revelamos os incômodos que sentimos ao participarmos do Grupo de Escritores Conquistenses, com seu machismo travestido de poesia. Sob pressão dos demais, intimados a se posicionarem, o então assediador apagou a mensagem e até se desculpou por ter me “magoado”. Não se trata de mágoa, mas crime de assédio, muito naturalizado nas produções culturais das quais participo no interior da Bahia. O registro está guardado e nunca fui piedosa. Mesmo nas artes podem haver violências. Logo após o ocorrido, eu e pelo menos mais outras três escritoras, por sinal as que mais admiro, saímos do grupo. Não foi combinado, cada uma seguiu sua consciência. Também já havia notado a saída de outra colega, muito empenhada na decolonização literária, por motivos afins. Logo mais, o coletivo que seria heterogêneo, será apenas mais um daqueles obsoletos em que o protagonismo masculino seguirá silenciando nossas vozes e presenças, quando não se apropriando perversamente. No entanto, ao interromper minha jornada internacional para escrever este relato, sinto mais o conforto da sororidade que encontrei em minhas colegas escritoras, do que as dores do ataque falocrático e suas reverberações. Ainda penso que era ele que deveria ter sido banido do grupo, por ter violado uma das suas normas, de respeito fundamental ao outro, no caso a nós, que somos sujeitas. Enquanto isso não acontece, ainda somos nós que precisamos nos retirar para oásis poéticos, e ainda sermos consideradas radicais ou intolerantes. Sigamos juntas, para onde possamos, não apenas sobreviver, mas, sobretudo, viver com dignidade.
A quem interessar possa meu trabalho artístico, para além dessa “polêmica” assim subestimada pelos colegas, seguem os links de minhas cartas sussurradas e outras poesias.
https://literaturadigitalmt.com/acervos-mato-grossenses/?search=morgana%20poiesis&perpage=12&view_mode=table&paged=1&order=ASC&orderby=date&fetch_only=thumbnail&fetch_only_meta=226%2C228%2C247%2C892%2C264%2C259%2C249
E viva(m) as poetas!
Morgana Poiesis
Brasil - São Tomé e Príncipe, 20 de outubro de 2025.
Apenas deixando um comentário simples para dizer que compartilho profundamente desse sentimento. Mas também registrar a importância da literatura para a de denúncia de comportamentos criminosos e misóginos.
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