ELA na orla da Barra





17 de março de 2013, Salvador-BA. Hoje ELA apareceu na orla da Barra, Pati a acompanhou no registro. ELA saiu do apartamento já vestida com o figurino, a burca, e a mala, passou pela família que há dias está acampada na sua rua, caminhou até a orla, um percurso que lhe tem sido cotidiano. O aparecimento dELA foi rico em acontecimentos. ELA provocou a polícia chegando bem perto dela, os policiais retribuiram a provocação, quando um deles perguntou se ELA era a viúva negra. Sinto como se as pessoas adivinhassem o que ELA sente e quem ELA é, apesar do silêncio e do rosto coberto, ELA coloca na rua suas expressões mais intimistas. Sim, ELA é a Viúva Negra: é um instante mudo/ e pungente/ o do poema/ as linhas embebidas de espasmo/ que desaguam em deleites inocentes/ e sublimam em liberdade as tuas chagas/ o desejo que te cura/ e te adoece/ nada tem de pacífica virtude/ antes abriga mil demônios sedutores/ que envolvem e esmagam as suas presas/ sob o refúgio peçonhento das suas asas/ as palavras vêm sorvidas de veneno/ as carícias abrem valas no teu corpo/ e jorram sangue quando falta o que atormenta/ a paz descansa lá no alto das montanhas/ ao silêncio e solidão dos monastérios/ o amor adulterado dos profanos/ tem na busca a plena força dos seus gestos/ persegue o fim que sempre quer/ e nunca alcança. ELA gostou de afetar a postura armada dos policiais com as interrogações que a sua aparição provoca, fazê-los rir desconcertados. ELA adentrou uma roda de quatro homens fardados, era a dança passageira dos soldados. Mais na frente, havia uma roda de capoeira, um homem que se dizia índio do Mato Grosso, com sotaque espanhol, lhe perguntava se aquilo era uma performance. Desde então dois meninos e uma adolescente chamada Joana a acompanharam, em parte do percurso. Joana segurava a mão dELA e achava bonito as suas unhas violetas. Joana descobria o rosto dELA várias vezes e ELA tornava a vestir o véu, então, quando Joana insistia, um dos garotos cobria novamente o rosto dELA, e dizia que ELA não gostava de ficar sem véu. Em um desses breves desnudamentos, o Sol fez com que os olhos dELA lacrimejassem, e Joana perguntou porque ELA estava chorando. Um dos garotos disse que a boca dELA era gostosa e que queria beijá-la (ao contrário das mulheres muçulmanas, ELA esconde os olhos e deixa visível os lábios). O outro garoto pediu ELA em casamento ajoelhado como um príncipe, então ELA se ajoelhou na sua frente, e de mãos dadas fizemos uma cena pós-dramática, à imagem de Sheakspeare. Eles diziam ainda que ELA era revoltada e lhe chamaram para tomar banho de mar e fazer um descarrego, perguntaram se dentro da mala tinha macumba. Esse trio infanto-juvenil de rua se dizia e comportava como se fosse segurança dELA. ELA parou novamente na frente de uma roda de policiais que inquiriram os meninos sobre estarem acompanhando ELA, como se isto representasse um risco, diseram que ELA não gostava disto, pois vinha de outra religião. Passageiros de um ônibus em breve parada perguntaram se ELA era atriz, ELA lhes acenou em despedida. Mais adiante outro acontecimento provocara a passagem dELA, um forró pé de serra que estava sendo tocado na rua. ELA não resistiu e fez aquilo que desejava há tempos, dançou o que tocava na rua, abraçou a mala como se ela fosse seu parceiro. ELA sentia um enorme prazer na liberdade de dançar na rua, sentia vontade de tirar o véu e ficar ali dançando, fazer da festa a razão de pausa na sua caminhada, uma pausa em movimento pela dança. Eu e Pati tivemos muitos insights para uma conexão teatro-performance que me interessa. Aos poucos ele adentra no processo criativo, não apenas como registro, mas também com proposições criativas e opiniões perceptivas.

Vídeos: http://www.youtube.com/watch?v=4Bzn4HXfW1E http://www.youtube.com/watch?v=-KyPqQdqFvs&feature=youtu.be

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

*erf6r0ance d6 tec3ad6 desc6nf5g4rad6

DIÁRIO DE UMA PÓS-DOUTORANDA

CARTA PARA DRUMMOND