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Mostrando postagens de junho, 2023

I CARTA A LA ABUELA

Vó, há tempos espero para te escrever esta carta. Tudo o que parece ser demasiadamente especial para o ritmo do mundo me exige um silêncio maior, ele mesmo produzido no contratempo necessário. Então, hoje faz sol, chuva, arco-íris e lua cheia, ademais atravesso meu rio vermelho, a vida-morte-vida que me faz renascer a cada ciclo, e me ensina a deixar morrer para fluir a energia vital. A senhora me apareceu em sonho, certa noite É verdade que eu já evocava a sua presença, desde quando me encontrei ferida na clareira de uma floresta, onde te via à minha volta, junto com índias, caboclas, ciganas e curandeiras, em meio aos lapsos de minha lucidez. Desde que a senhora se foi, apenas a reconstituição da sua presença me conforta. Diria que te sinto mais presente agora, quando não há uma realidade geográfica entre nós duas, superada, portanto, essa materialidade implacável . Como se antes a senhora estivesse sempre longe, no seu lugar, e agora estivesse sempre p

III CARTA A LA ABUELA

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  Vó, encontrei uma pausa no mundo, da qual faço o bom uso ao te escrever esta carta. Estive em sua casa, que está cada vez mais vazia. Ao mesmo tempo, são tantas as visitas surpresas, comadres, parentes e toda sorte de bichos que sobrevivem no bioma ao redor, a Caatinga. Vovô vive-morre-vive devagar, deitado na cama. Seu corpo está cada vez mais frágil, embora manifeste uma presença de espírito. Mal podemos tocá-lo, ele grita. Viver dói mesmo, vó, desde quando nascemos, até a morte. E o rio também agoniza, logo ali… ao lado da casa… por que será que ninguém mais vê aquele rio, vó? Ele me aparece em sonhos, pedindo socorro. Noutras vezes, convidando a esconder-me por entre as memórias de um outro tempo. No pátio nascem as rosas, além do pomar que resiste por entre os espinhos, ao fundo do terreiro, onde me perco das vistas. Mas é na cozinha, onde às vezes ainda me nutro, que encontro a senhora, olhando ao infinito da janela, me dando co