III CARTA A LA ABUELA

 

Vó,


encontrei uma pausa no mundo, da qual faço o bom uso ao te escrever esta carta.


Estive em sua casa, que está cada vez mais vazia. Ao mesmo tempo, são tantas as visitas surpresas, comadres, parentes e toda sorte de bichos que sobrevivem no bioma ao redor, a Caatinga.


Vovô vive-morre-vive devagar, deitado na cama. Seu corpo está cada vez mais frágil, embora manifeste uma presença de espírito. Mal podemos tocá-lo, ele grita. Viver dói mesmo, vó, desde quando nascemos, até a morte.


E o rio também agoniza, logo ali… ao lado da casa… por que será que ninguém mais vê aquele rio, vó? Ele me aparece em sonhos, pedindo socorro. Noutras vezes, convidando a esconder-me por entre as memórias de um outro tempo.


No pátio nascem as rosas, além do pomar que resiste por entre os espinhos, ao fundo do terreiro, onde me perco das vistas.


Mas é na cozinha, onde às vezes ainda me nutro, que encontro a senhora, olhando ao infinito da janela, me dando conselhos, os quais aprendi a escutar.


Estive de passagem, pois precisava banhar-me na fonte de minha alma cigana. Até para São João, Santo Antônio, São Pedro e todas as caboclas julinas, precisei acenar. É porque vim sentir saudade de tudo em outras culturas.


Mas não se preocupe comigo, abuelita, pois em cada canto do Brasil adentro, há uma Nossa Senhora Aparecida, com seu manto azul negro, bordado de ouro.


Abençoa minha nova partida, vó.


Com amor,

m.


Mato Grosso, fim de outono, 2023

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