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Mostrando postagens de abril, 2020

MARIA

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Estado de Ser, Chiharu Shiota. confesso que quis voltar para onde, Maria? a missa acabou uma casa não há a filha não veio o pai já partiu a mãe quer chorar para onde, Maria você quer voltar? o mundo é tão vasto há de haver um lugar onde ficar ou partir não vai te ferir sossega, Maria há de haver companhia há de haver um lugar de haver é que há Morgana Poiesis, 2019.

PARTIR

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Quando, pela primeira vez, engendrei uma partida, eu não passava de uma adolescente, com projetos de emancipação. Vivíamos em um ambiente sob todo tipo de violências, físicas, psicológicas, sexuais, patrimoniais, que ora tentam me intimidar, quando mais nada me impressiona e a vergonha não é minha, ora tentam me vitimizar, quando não sou uma exceção. Em uma tarde, na janela do meu quarto de uma casa em crescente pobreza, vislumbrei a perpetuação daquela realidade, sob o nosso estado de inércia, em nome de uma tolerância inconcebível à moral familiar que nos é imposta. Foi quando me questionei sobre as nossas possibilidades de vida, vi uma luz entrando por entre as grades da janela, sonhei com o meu renascimento, tive certeza que somente a mim caberia a reinvenção de uma nova vida. Assim, dei início a uma série de partidas, sob o silêncio que me protege. Se tenho algo a dizer, é que quando se rompe com o essencial, tudo o mais será contingente. Desde então, foram

ÚLTIMAS PALAVRAS A UM AUSENTE

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Fiz um pacto comigo mesma de que não escreveria cartas aos amantes. Não é por falta de amor ou de palavras, mas por saber que boa parte desses amores e dessas palavras não passariam das mais puras invenções de minha imaginação criadora. E pelo hábito que tenho de atribuir às pessoas uma importância que elas mesmas não se dão. Embora me dirija a você, não é para você que eu escrevo. Tampouco me interessa uma comunicação unilateral. Escrevo para mim e pelo meu comprometimento com a palavra. Ela que me faltou em nosso (des)encontro. Há uma década, fui atraída pela sua genialidade. Entre poesias, manifestos, filosonias, silêncios e ruídos, sou uma pescadora de mentalidades. Por que você tocou o meu ostracismo? Por identificação, talvez? Sim, eu te quis, antes e durante e depois de tudo, como El Gavilan, de Violeta Parra. Eu te quis quando não queria mais nada. E foi no auge desse nada que eu continuei desejando o impossível. Então eu fui até você, com o mes

SILÊNCIOS II

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ASPIRAÇÃO A UM HAI KAI VISUAL

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DIZ

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DITO-NÃO-DITO

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BRAS-ILHAS

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TRILOGIA: um romance em três contos

NOTAS DE UMA PRIMAVERA EMANCIPADA Tudo começou naquela noite em que fora tomada pelo fogo e por tudo o que queimava ao seu redor, a música, o vinho, a poesia. Perdera a   noção   da   realidade,   do   tempo   e   do   espaço,   delirava   antes   que fosse   cedo   ou   tarde   demais.   Precipitava­-se   numa   chuva   que   só poderia   cair   tempos   depois,   que   exigiria   uma   espera   de   quem   não sabia   esperar,   entre   a   paragem   atual   e   o   movimento   seguinte. Respirava, ainda que quisesse soltar os cachorros da vila e viver debaixo d’água, onde  poderia  fluir. Respirava  eufórica, entre  as paisagens concretas dos desejos, falésias incontornáveis, imagens sonoras   em   múltiplos   movimentos,   a   presença   do   passado   e   os fantasmas ao vento. Em nada acreditava, apenas na certeza da morte que lhe acompanhava desde quando o seu impulso de vida fora maior que   as   possibilidades   do   corpo,   e   então   o   cuida

BREVÍSSIMA TEORIA PARA UM MOVIMENTO DAS ÁGUAS

(...) entre o doce e o salgado, a diferença é de movimento: os mares rompem   fronteiras,   lançados   ao   desconhecido   do   lado   de   lá,   ao infinito   aparente.   Yemanjá   é   generosa   e   abraça   o   mundo.   Os   rios nutrem   os   territórios,   o   fluxo   de   suas   entranhas,   oásis   dos sertões. Oxum é caprichosa e envolve os seus ou, na encruzilhada das línguas, ela é custosa.  II O   d   o   y   á,   Yemanjá,   rainha   do   mar!   Faz   fluir   as   memórias   dessa Terra   árida   com   seu   canto   Salgado,   sob   os   olhares   mudos   de Sebastião! O r a y ê yê ô, Oxum, deusa do rio! Faz brotar com sua dança doce a flor amarela que gira e que gira em busca de Sol ... g i r a s s o l ! Água que leva e que lava a mágoa da alma de quem tem fé no Senhor do Bonfim! Água que chove e que chora o sangue dos homens que matam e morrem, dos homens que não sabem amar. Água que cura a fúria das feras feridas, nascidas, criadas, fugi

TRANSMUTAR

a voz divina faz vibrar o milagre da vida é criar! vejo tudo passar incêndio tempestade terremoto ventania logo mais labareda neblina brisa poesia jejum de silêncio para lavar a alma três vezes por dia presente estar com o saber da memória e um passo por dar naturalmente flutuar entre a densidade da água e a leveza do ar pé no chão cabeça na lua haja corpo para sustentar raiz, caule, folha, fruta, flor transmutar

SÓ HAVERÁ A POESIA POR FIM

só haverá a poesia por fim quando não mais estivermos aqui se a humanidade resistir às manifestações da natureza em si as filhas de outrem repetirão as vozes de agora nos versos de seu próprio tempo rodeado por divindades anacrônicas e ainda assim presentes só haverá a poesia por fim

FLICTS

quando os vejo marchando sob o sol quente fardados cabisbaixos impo(n)(t)entes pergunto: onde estarão os jovens sonhadores? as alegres brincadeiras sob as sombras das mangueiras? o ar fugidio de viver à beira rio? o contratempo do pensamento? e nos silêncios dos passos lentos apenas vejo: a paisagem natural da liberdade no formato de um quadro em­-cerrado e de uma só cor pintado: flicts flicts flicts Morgana Poiesis

AS CRIANÇAS QUE ME PARIRAM

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desde quando me chamavam de irmã havia Luca e depois veio Luan se há pouco andava aos ares com a Serena agora a vez é de Yolanda e de Tupã noutros tempos uma amiga de aventura também era mãe de Maria Julia travalíngua na terra do pequi é aprender a falar pe­ri­ri­Peri menino que sozinho nunca se vê mas sempre ao lado do Iberê­rê­rê e pra não dizerem que não sou uma boa tia dedico esse poema pra Sophia Morgana Poiesis

SONETO DE AGORA

há muito essa forma anunciava a exatidão de quartetos e tercetos um rigor que dentro-­fora me continha nos cordeis, nos hai kais e nos sonetos quando, enfim, assumi a intensidade nada quis de controle ou precisão vi brilhar uma estrela dionisíaca e fui tomada pelo caos da criação tendo experimentado a-mor­te-­vida expurgado os prazeres e as dores das tragédias e dos dramas de outrora incorporada pelas deusas dos silêncios entre sagradas e profanas escrituras é que escrevo este soneto de agora Morgana Poiesis

PIXAÇÃO

quando amanheço junto com a cidade vejo gotas de sangue nas calçadas ouço as palavras que gritam pelos muros sob o silêncio duvidoso das madrugadas Morgana Poiesis

(IN)DEFINIÇÕES ESPA(E)CIAIS

vi aquilo que fora feito para (si) ver sob a mira de um olhar seduzido por cores em movimento e ab­-sinto du-­elo-­a-­s de corpos in­tensos com-­torcidos entre si como num drama de Butô! em com-­posições violentas do desejo sujeitos a objetos certeiros cortantes fatais Morgana Poiesis

RITUALÍSTICAS

mulheres lobas e felinas lambendo as feridas umas das outras numa roda em volta da fogueira sob a lua cheia meninas e anciãs matriarcas e cortesãs sagradas e profanas sussurrando saberes milenares com suas mentes inquietas e seus corpos vibráteis expurgando as culpas das santas sobre as bruxas sangrando as dores e os prazeres de serem com e sem tetas com e sem bocetas mulheres Morgana Poiesis

PROFUNDA

extraordinário cotidiano de serpentes camufladas fingindo especial o que é banal irreal? nos tempos dos ventos acolher o incerto deserto Morgana Poiesis

INTER­-FERIR

sonhava do outro lado da cidade escutando sobre a sua meia verdade onde as corujas espiavam a minha sorte e trepadeiras floresciam no quintal até murcharem logo após o carnaval diziam­-me acolhida com a ressalva de habitar, na cozinha, uma matriarca cuja face revirada me fugia e um sorriso, lá dentro, não se via alheia sob a sombra de um amor que não vingava para além de sua promessa da salvação de um pesadelo anterior entretido com seus próprios afazeres e sabotado pela irmã que lhe ajudou precipitada ao não poder mais resistir parti com o silêncio protegida condenada pelo clã de boa fé a ser queimada por suposta ingratidão ­ mas não! absolvida pela própria liberdade cuja força pessoal reencontrei longe de onde perto não queria aquela mesma que, ainda assim, me inter­-feria camuflada em povoada solidão Morgana Poiesis

EUPHORIA

a chegada é o fim da estrada fim de tudo fim de mundo fim de nada Morgana Poiesis

BILHETE

querido Carlos escrevo para te contar que tinha um ebó no meio do caminho da Rua Direita, tinha um ebó nunca me esquecerei deste acontecimento era Natal em Goiás e tinha um ebó no meio do caminho da Rua Direita, tinha um ebó Morgana Poiesis

CÂNTICO DA LUA SILENTE

noites trêmulas assombradas pelos fantasmas do tempo da solidão pelas imagens mudas do passado pelo presente sem­ o­-a­-com­-chego em lugar algum por não escutar imune tudo o que mal-­me-­dizem tudo o que bem­-me-­dizem por ter que engolir o veneno de minhas próprias palavras linguagem do pensamento por não aceitar a história de servir docilmente ao eterno outro detentor dos meios e dos fins Nossa Senhora do Silêncio me acolha com seu manto de prata sob o fundo negro do céu antes que venha a luz que tudo ex­-põe e de­-clara Morgana Poiesis

ARISCA

arrisco de outro modo ficaria arriscada eu que quis o silêncio das horas o estranhamento das ruas o anonimato eu que rompi com os sentidos da forma com os limites do ser incorporando as paisagens do mundo os espíritos de cada estação e se vos intimidam minha palavra direta meu sorriso infundado meu olhar oceânico deixa estar que arrisco em outro lugar Morgana Poiesis

ALÉM MAR

tudo o que sei: esqueci... o que me resta: fingir! deixar ser ou não ser e seguir quanto tempo passado nos labirintos do desamor demolindo castelos e mitos erguidos sob línguas que não calam não escutam nem perdoam sob duelos de egos invencíveis sob verdades ou mentiras em vão todo o que quero: deixar... o que me resta: criar! um silêncio no mundo além mim além mar

VERSOS PARA UMA PEQUENA DANÇARINA

menina de cabelo rosa dos olhos de fada e pintas no rosto com o seu corpo de dançarina você me tocava menina que ia e que vinha pequenina eu nem sei o que pode você menina com o seu corpo de dançarina que vai e que vem com as asas de vento leve é o seu movimento menina de cabelo rosa dos olhos de fada e pintas no rosto com o seu corpo de dançarina

ESSENCIAL

escrevo para eternizar o instante em que sonhar é possível e fazer da poesia a melhor das realidades Morgana Poiesis

MATUTINA

há um coro de pássaros com o qual desperto antes do Sol brilhar ao longo do planalto entre sonhos abstêmicos e realidades incessantes em lugares sem espaços horas sem tempos pessoas sem presenças as melhores companhias: os pássaros que gorjeiam antes do Sol brilhar ao longo do planalto Morgana Poiesis, 2019

ROMANCE EM LINHA RETA

quando entrou em minha vida com as suas botas de lama pisando nas flores do jardim que eu cultivava só pra mim pensei: que desastre! seja bem vindo mesmo assim passadas duas primaveras não lamento: viva o começo viva o meio e viva o fim! Morgana Poiesis

ARREDIA

Lhe disseram que era uma mulher arredia. Então é verdade que lhe espiavam por debaixo da tímida simpatia? Não haveria de ser suficiente a experimentação frágil da desenvoltura, a diplomacia útil, o teatro do dia a dia? Tomou por boa vontade o adjetivo, tendo sido pronunciado por amigo próximo. E de amigo esperam-se as sinceridades mais indiscretas. Mas o fato lhe remetera, e com alguma seriedade, aos aspectos da sua conduta social. Não poderia negar que escondia sob o chapéu a fronte, por vezes, um tanto circunflexa, quando não debaixo do guarda-sol, adereço providencial, ou, então, pendida para baixo, os olhos fitados no chão. Também a sua voz quase sempre segunda, feita mais para descansar os ouvidos de outrem. Havia, ainda, um silêncio que habitava seus gestos cotidianos, já anunciado em encontros primeiros. O apontamento de um segredo é, deveras, desconcertante. E não poderia deixar de lhe trazer uma reflexão subitamente necessária, que não viria melhor de outro mo

votO nuA

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PERIPATÉTICA

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LÍQUIDA

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SILÊNCIOS

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As mascaradas

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Performance: Morgana Poiesis e Denise Santos As mascaradas é uma performance artística na qual duas mulheres experimentam uma relação criativa possível entre o silêncio e a cidade, em tempos de pandemia. Vestidas com máscaras, meias e luvas, as mascaradas aparecem nos campos e bosques vazios da cidade. Encontram nas árvores de eucalipto proteção contra um vírus que ameaça a existência da humanidade no planeta. As mascaradas não se comunicam por palavras, apenas por gestos, sons e onomatopéias. Ao fundo e ao longe, imagens da cidade em movimento, na trilha uma carta sussurrada para ela. A partir de um plano de 2m, em um lugar ermo, quais relações estéticas são possíveis entre as câmeras, as mascaradas e as cidades? As mascaradas são uma versão assumidamente feminina dos mascarados, oriundos de uma tradição popular do estado de Goiás, personagens das Cavalhadas, citadinos que vestem essas máscaras denominadas catulés, representando a participação nos negros e pobres na

IntermedialoGIAs

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Trata-se de uma pesquisa sobre o Grupo de Interferência Ambiental-GIA, na qual adotou-se uma perspectiva poético-conceitual fundamentada pela “ecosofia” de Felix Guattari, entre outras influências. Fez-se uma leitura das interferências do GIA como poética micropolítica na arte contemporânea, a partir de um método prático-teórico, no qual foi realizada uma imersão da pesquisadora junto ao grupo, nos anos de 2011 e 2012, em Salvador e Cachoeira-BA. Foram selecionadas interferências que aconteceram nesse espaço-tempo, a saber: Samba GIA, Cerveja GIA, Caramujo, Quartel General, Carrinho, Pic Nic, Judas, Cabine DR e Flutuador, bem como o bloco de carnaval De Hoje a Oito e a Feira de Artes, Maravilhas e Esquisitices. O corpus teórico da pesquisa, produzido a partir da articulação de referências na arte e na filosofia contemporâneas, enfatizou questões estético-políticas trazidas no encontro sujeito-objeto, bem como questões metodológicas e epistemológicas que deter

ENSAIO PARA UMA ESCRITA PERFORMATIVA

Este ensaio apresenta a escrita performativa presente nas cartas como síntese estético-conceitual produzida através de uma cartografia afetiva, trazendo questões metodológicas e epistemológicas para a pesquisa em artes Download:    Ensaio para uma escrita performativa

EPÍSTOLAS PROFANAS: performances dos silêncios manifestos

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As Epístolas Profanas são cartografias (Suely Rolnik, Roberta Romagnoli) elaboradas a partir de algumas pulsações que nos movem, a saber: as manifestações dos silêncios através de performances artísticas nas ruas; uma estética dos silêncios (Susan Sontag) construída na encruzilhada entre a arte, a filosofia e a antropologia contemporâneas; uma pesquisa performativa (Ciane Fernandes, Brad Haseman) cujo método implica na literatura epistolar como gênero de conhecimento. Partimos dos silenciamentos culturais das mulheres, dialogando com algumas pensadoras, como Djamila Ribeiro, Sueli Carneiro, Marcia Tiburi, Gloria Anzaldúa, Grada Kilomba, Chimamanda Adichie, Gayatri Spivak, Judith Butler, Simone de Beauvoir, Michelle Perrot, dentre outras, até as manifestações desses silêncios através de performances artísticas e culturais (Eni Orlandi, Richard Schechner, Paul Zumthor). Esta cartografia epistolar é uma composição de cartas trocadas com leitoras, artistas, profess

AVANTE

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Euphoria, Ivan Vyrypayev, Russia, 2006. avante pois contra nós toda força virá lobos em peles de cordeiros espiões camuflando gentilezas apertos de mãos que não podemos confiar há braços duvidosos entre jogos de interesses e poderes dos falsos democratas e dos ditadores assumidos seus própios pares irão te sentenciar dentro de cada um de nós há um coronel ou um general à procura do gatilho para disparar avante pois a liberdade implicará vidas e mortes e não será possível renunciar a essa luta incessante dos que tem coragem de se manifestar Morgana Poiesis, Bahia, 2020

POS TUDO

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Imagem: Noor Nori vasto mundo que não me cabe senão inventando a minha realidade faço-me água mata, nuvem pé-de-felicidade sob os olhares inquisitivos de outrem vejo violências contidas em famílias de bem que me querem refém quantas paixões impossíveis vividas além quantos amores calados no exercício do autocuidado ao qual nunca renunciei os gritos dos homens que não mais escutei largas estradas paisagens aladas desditas palavras lâminas afiadas tudo me desperta antes do amanhecer e sigo o rumo do meu próprio ser Morgana Poiesis Riacho de Santana-BA, 2019.