ÚLTIMAS PALAVRAS A UM AUSENTE




Fiz um pacto comigo mesma de que não escreveria cartas aos amantes. Não é por falta de amor ou de palavras, mas por saber que boa parte desses amores e dessas palavras não passariam das mais puras invenções de minha imaginação criadora.

E pelo hábito que tenho de atribuir às pessoas uma importância que elas mesmas não se dão.

Embora me dirija a você, não é para você que eu escrevo. Tampouco me interessa uma comunicação unilateral. Escrevo para mim e pelo meu comprometimento com a palavra. Ela que me faltou em nosso (des)encontro.

Há uma década, fui atraída pela sua genialidade. Entre poesias, manifestos, filosonias, silêncios e ruídos, sou uma pescadora de mentalidades.

Por que você tocou o meu ostracismo? Por identificação, talvez?

Sim, eu te quis, antes e durante e depois de tudo, como El Gavilan, de Violeta Parra. Eu te quis quando não queria mais nada. E foi no auge desse nada que eu continuei desejando o impossível.

Então eu fui até você, com o mesmo ímpeto com que fui embora, oscilando entre os extremos desses dois movimentos, que guardam o princípio de uma mesma verdade.

Acreditei em nossa ascese partilhada. O chamado, o acolhimento, a euforia, o medo, o cuidado, o carinho, a confissão, o seu olhar que também me penetrava enquanto eu mergulhava em meu próprio prazer.

A cumplicidade de corpos e mentes e almas, por entre os delírios daquela madrugada que tão logo se esvaiu, ao som de uma motosserra nos invadindo com a mesma violência com que cortava alguma árvore lá fora, até que, com ela, nós padecemos.

E assim foi. Não sei se me faltei ou me excedi. Ademais, saber já não importa. Tudo o que te ocorreu, o que me ocorreu, nesse mundo no qual nos lançamos e que nos assaltou, também.

Só sei que eu não podia lamber as suas feridas, enquanto você projetava as minhas sombras.

Por isso parti, sem perdão. Eu teria que ir embora, de qualquer maneira. Nós não fomos cordiais.

Não há hesitação em mim, pela chegada ou pela pela partida, talvez pelo modo como o fiz(emos).

Mas já não existia o plural, quebramos o espelho em que nos refletimos.

Levei em minhas mãos um buquê de flores mortas, por entre o vazio pleno da grande cidade onde não existe amor, escutando, em cada esquina, o eco de sua canção.

A arte, a filosofia, a ciência, a política, os caprichos da humanidade, há muito não me impressionam.

Quereria apenas as carícias e as orações.

Fiquemos em paz, pois o mundo está em guerra e não mais combato.

Entrego essa ruptura às leis da comunhão universal.

Para a sua transmutação, nem eu sei como.

Universalitas Comunitas

m.

Bahia, Janeiro/2020.

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