ANOTACOES IMPESSOAIS - ESTETICA DO SILENCIO - LABORATORIO DE CORPO-CRIACAO-PERFORMANCE-INTERFERENCIA - BAHIA - 2015

John Cage, Marina Abramovic, como levar para o cotidianos o silêncio da orquestra e da galeria? É possível compartilhar o silêncio? O que estamos fazendo aqui? Os curiosos já foram embora e, aos poucos restarão, apenas, os corajosos, os obstinados, os aventureiros. “A arte recusa os covardes”. Atrás da janela de vidro, vejo, lá fora, a noite de outono ao redor de uma atmosfera acadêmica, a lua, a luminária, as sombras de uma vida verde, seca, o frescor. Memórias do primeiro curso universitário que fiz, UNEB, Ciências Contábeis, Barreiras-BA, a sonolência e o cansaço dos estudantes noturnos. Para que correr tanto se a vida é uma só, e só esta? O rigor estético do silêncio, o tempo. A garganta dói, os cachorros latem, os ônibus circulam, os amigos me buscam. Um corpo, dois corpos, o toque, o movimento. Não existe mais rotina. O que nos move é a dúvida, o mistério, o não saber. Há um programa no meio do caos, onde tudo começou. O silêncio como descanso, lentidão, cura de si mesmo e do mundo a nos adoecer. A presença etérea do menino de luz. O silêncio, a morte, a loucura. Tudo acaba e o silêncio permanece. O silêncio tem o sabor de um abraço e aroma de alecrim.
Biblioteca Municipal. Há silêncio nas universidades, nas bibliotecas, nos hospitais, nos templos sagrados, nos centros culturais, nas galerias de arte. Esses lugares, que parecem distantes do mundo, estão situados dentro dele, heterotopias. As mil e uma voltas para encontrar a biblioteca, e a nova cidade. As salas de leitura, a internet, o café. As bibliotecas estão vazias, há um silêncio cheio de vozes nos livros. A roda, o chão, o devir-criança, os relatos, o risco do silêncio. Susan Sontag e sua vontade radical. A arbitrariedade do silêncio e seu limite irresolúvel. O tempo e a vitalidade da experiência. Arte & Vida. A pressa, o falso caminho do silêncio. O espaço, a árvore, a meditação de pé, a respiração completa. Yoga & Tai Chi Chuan. As plantas e os animais. Tomates, goiabas, cães e gatos pretos. As formigas caminham, passo a passo, a disciplina do silêncio e sua teimosia desobediente. O absurdo do silêncio. A memória, o abuso do silêncio. Si-Outro. Amêndoas e flor-de-íris. As bicicletas, as máscaras higiênicas, o vazio pleno do branco. A despedida, a inquisição de quem espera. As sementes da introspecção mística. A espiritualidade. O corpo que baila em silêncio. A dúvida e o medo do silêncio. silêncio...silênci...silênc...silên...silê...sil...si...s...
A pontualidade e o atraso, a Biblioteca Municipal pouco frequentada. O relato de quem se apropria do silêncio, na vida, para além da arte. A cidade e a zona rural. Como o espaço interfere no silêncio? Os ruídos que o silêncio provoca. Se tenho que deixar o silêncio, gostaria que fosse devagar, si-len-ci-o-sa-men-te. Nossa presença na biblioteca produz uma imagem, um movimento, fotografia. O silêncio da sala de estudos e o café que acabou. Os destroços de construção, atrás dos vidros. Estamos sendo bem recebidos pelos funcionários da biblioteca, quando termina o expediente, ficamos no pátio, em silêncio, há uma vigilância gentil. Carrossel. O silêncio é um discurso minoritário, uma diferença na linguagem, uma ação. O artista precisa viajar. Quais são os códigos da arte relacional? O silêncio é eterno e impossível. Estamos lendo devagar, o tempo de uma leitura coletiva. Estamos concentrados, atentos. Estamos descobrindo o silêncio. Nós, sentados nos bancos ao redor do pé de amêndoas, que tem gosto de infância, das tardes infinitas na casa da avó. As amêndoas caem, Newton, mordidas. Fitar, a flecha do olhar fixo, pontual, retilíneo. Estamos juntos, a cumplicidade do silêncio. A lanterna para não escrever no escuro, a performance da luz, a escrita que procede aos encontros, no silêncio. Não quero deixar o silêncio, cadê a máscara higiênica? Estou doente? As ruas esquecidas, desconhecidas, a noite, os abraços em silêncio. A viagem, o dinheiro, o mercado de créditos, os gatos, a espera, as batatas. Eu quero viver em silêncio, assim, sem ter que dizer nada. Palavra, só se for escrita.
Estamos de volta ao silêncio, que marcara o mesmo tempo e roteiro, antes e depois da viagem que me fizera deixá-lo, e o mesmo dia da semana. Falo, ainda, mais do que preciso e gostaria, como, também, escuto. Aos poucos mataremos o silêncio de Susan Sontag. A biblioteca continua em silêncio, e assim será. Os livros didáticos estão separados da literatura, por uma sala de recepção. Temos café e internet. Tagarelice, mania de professor conversar demais, e a vontade da dança. Sontag nos devolve à Austin, Calvino, Barthes, Deleuze, Foucault. Acompanhamos pouco a leitura do outro, não sabemos ler juntos. Às 17:45 somos avisados do tempo da biblioteca, o que marcara a nossa retirada ao silêncio. Alongamento, respiração, meditação, e o corpo que instaura uma postura de silêncio. A prática de si, no final de semana, e a pausa dinâmica. O cuidado que implica o outro. Ler o silêncio na literatura. As ondas do mar. Então voltamos ao silêncio, ao lado da amendoeira, fitar. A água e o pomar. Hoje não tem cigarras, mas formigas, morcegos e pernilongos. O cão preto. O azul anil do céu estrelado de uma noite quente, a lua que ontem era dourada e hoje é prata, sempre sorrindo, como é alegre o gato de Alice! O silêncio é repetitivo, diferente. A fogueira que sempre me permitiu o silêncio, a bruxaria e a tecnologia mística do fogo. 6x5=30 minutos de silêncio. Mas a fogueira prolongou o tempo. O despertador e as palmas incomodam o silêncio. O Hiper Bom Preço e o Axé Music violentaram o meu silêncio. Mas resisti. Como é difícil manter o silêncio e não deixá-lo de qualquer jeito. A fuga do silêncio, o chamado. A compreensão, o olhar, as carícias, os gestos, o perfume do silêncio. A despedida em silêncio, a moça do caixa que, no final da compra, me disse “obrigada”, com os lábios, sem voz, e sorriu. O vizinho, o combinado, o respeito àquilo que não se sabe. O cuidado do silêncio e o seu abandono. Otto cantando para mim a saudade de um amor em um quarto de hotel, e a doçura dos ogros. A memória visual da mágoa. O riso interrompe o silêncio? Não sei. E a palavra escrita? Também não, sei. A seriedade do silêncio. O devir mulher de quem participa do LCCPI e a profunda gratidão pelos que ficam em silêncio comigo.
O silêncio começa de olhos fechados, o impulso de uma dança, o Movimento Autêntico. Às vezes, asas, às vezes, focinho, às vezes, cauda, e o latido incessante de um cão, onde ele está? O olhar atento de quem cuida de quem não vê. Saímos da sala, afinal o silêncio não é uma prisão, mas uma prática de liberdade. A chuva, sob o silêncio que nos protege. As árvores estão em silêncio. Há um campo de forças e, fora dele, a palavra. As pessoas passam, o que estamos fazendo debaixo de uma estrutura onde ninguém fica, um não lugar? Estamos em silêncio. A luz e a sombra, brincamos. A amizade é maior do que o silêncio, que é maior do que amizade, e assim sucessivamente, até se afogar na própria contradição. Mas sorrimos. Memórias de P., os sonhos com a família que rejeitei, e que depois virou as costas para mim. O menino de luz sussurrando em meu ouvido. Eles estão aqui? A morte já havia me beijado outra vez, dentro-fora, no útero, depois voou com o pássaro dourado, para além do mar. Então, me calei. Nos bolsos as chaves e o celular, o controle do espaço e do tempo, o poder. Estou faminta. Ontem fiquei só, hoje não, amanhã sabe-SI LÁ. Melhor mesmo, não saber. O tédio e o tumulto do silêncio. A bicicleta Monark ao lado da coleta de lixo reciclável, que tem as cores do circo, azul, vermelho e amarelo. O nominalismo e a descrição simples das coisas. A tinta vermelha que pintou o chão de ardósia, pluft!
ELA e o silêncio debaixo do véu, o seu grito. P. que me acompanhava nos passos dos sonhos e mar. O RADAR-1 que dançaria o silêncio comigo. A carta para Venuska, que nunca respondeu às palavras de angústia e de pânico. As greves dos órgãos públicos e as estruturas decadentes do nosso país. Um professor e dois alunos às espreitas do saber. Uma parede azul. “O que essa menina está fazendo aqui com essa máscara? Estou com medo de você”. A vigilância sempre a nos questionar e as informações pelo rádio: “Eles não querem falar”. Resposta pelo celular: “Estamos em uma atividade da Coordenação de Cultura”. O corpo dele treinado para agir e o risco do meu. “Já está tudo esclarecido, fiquem à vontade”. Os pedidos de desculpas, outra vez. Estou cansada de ter que explicar tudo. Estamos sitiados. Não há mais nada que podemos fazer, além do silêncio. Ou podemos morrer? Me deixei levar por entre o balanço de três palmeiras e os pássaros a cantar. Se não fosse o vazio e o silêncio, não poderíamos escutar. No módulo de aulas do curso de medicina e centro de saúde, sinais de silêncio e máscaras higiênicas. Entre os bambus, o vai e vem dos seus segredos e o medo das formigas. Fomos tomados pelo vazio do espaço e pelo silêncio que cai-em-si, quando não há movimento ou ruído, ao seu redor. O passado sempre presente e a névoa do futuro. A memória dos beijos quentes e o telefone que se calou. Na saída, a pergunta de sempre: “É teatro?” No caminho, pedalamos devagar. Vejo o pai de uma amiga que perdeu a voz e a mãe dos seus filhos. A ausência daqueles com os quais me calei. A casa e o silêncio sem fim.
Estética do Silêncio, caderno 2. Hoje passei o dia resumindo Susan Sontag e encontrei o silêncio em Merleau-Ponty. Com a chuva e sem a bicicleta, perdi o domínio do tempo-espaço, e cheguei atrasada ao encontro do LCCPI. Todos me esperavam na esquina do Teatro Carlos Jehovah, silenciosíssimos. Fiz as entregas do romance e logo começou o espetáculo Desastro, do qual me agradou a performance dos corpos e da luz. Ficamos em silêncio com as máscaras, em meio a um público, também, silencioso. Por fim, a esquina onde sumiram as barracas da feira, e a fumaça proibida. Em silêncio, lutávamos como os dançarinos em cena, as artes marciais. A sombrinha era a minha espada de luz. N. é minha parceira na dança. O samba, a poesia que se calou com a cachaça no chão da sopa, onde o silêncio também era bem vindo e, outra vez, a luz branca. Violência de gênero, na televisão. Talvez o silêncio tenha sido a interferência mais sutil do LCCPI, embora ele pareça hostil e ofensivo, em um primeiro momento, entre tantas outras qualidades depreciativas que nos foram acusadas, em nossas experiências individuais. O preconceito de quem não sabe do silêncio. D. B. e G. ficaram em silêncio conosco, por uma espécie de amizade e amor. O aquecedor parecia um aquário luminoso. Como levar o silêncio para as ações do sindicato e vice-versa? Ou devemos preservar a nossa resistência micropolítica? D. disse que o silêncio é necessário e causa pânico. Ela, que é professora e conversadeira, começou a falar pouco, devagar, e baixo. G. disse que não estava conseguindo falar direito, que havia pausas, e que os silenciosos se correspondiam melhor dessa maneira. O silêncio é um código. Com gestos minimalistas, tenho me relacionado muito bem com os atendentes de forma geral. B. entendeu a meditação e a espiritualidade do silêncio, escrevemos sobre o ritual que faremos, no Velho Chico, o banho de ervas e rio, o cachimbo da guerra e da paz, a suspensão, a re-performance re-versa da musa e o corpo como sujeito-objeto-suporte de arte. O silêncio é contagioso, um remédio para o mal estar da civilização. Clínica do Silêncio. O silêncio é tão cansativo quanto a palavra falada, quando precisamos substituir um pelo outro, o tempo inteiro. A mímica e necessidade permanente de comunicação.
Atrasos maiores, falta de respeito, palavras repetidas e o tempo perdido que não temos mais. Escala para reperformance de Marina Abramovic, nas próximas semanas, na praça. Estética do Silêncio em 12 de junho e debate sobre o amor. Todos de preto & branco. Exercícios para respiração, coluna e globo ocular. The artist is present entre nós, o aquecimento. Em 2 filas paralelas, 4 duplas, frente a frente, e uma espécie de mediador que se revezava a cada 10 min, marcados com palmas e estalos de dedos, em um movimento horário dos corpos, nas cadeiras. Artaud iria gostar desse jogo do silêncio. Estivemos mais presentes através do olhar fixo, retilíneo, do fitar. O olhar do outro no roubava a atenção expandida pela dimensão o espaço. Vi um olhar trêmulo, dramático, e outro esgotado. Vi um olhar altivo, assustado, como a íris de jabuticaba da minha irmã. Vi olhos pequenos que nos percebia debaixo de uma luz branca. Ficamos 1 hora de silêncio, de par em par. O que há no olhar do outro além daquilo que vemos? Voltamos à fenomenologia. O silêncio é uma arte visual.
03 de Junho de 2015, Praça 9 de Novembro, Vitória da Conquista-BA, Estética do Silêncio, The artist is present, Marina Abramovic, reperformance, LCCPI. Estamos aqui. X. me telefonou às 13:30h para dizer que havia trocado seu tempo na escala e que chegaria depois. O taxista disse que as cadeiras não iriam no carro, mas foram. Passamos por L. apressado, pela ciclovia. Ele voltara em casa para vestir a roupa preta. Ele e T. já estavam lá, no monumento da praça, que era o nosso ponto de encontro. C. chegou logo mais e aos poucos os outros silenciosos. Abrimos os trabalhos eu e L., acompanhei a sua presença por 10' e deixei a cadeira livre para o público. Mas ninguém sentou. Amigos artistas passam, silenciosos, conosco. As máscaras, que estavam disponíveis na mesa entre as duas cadeiras, começam a ser usadas pelo público, por livre iniciativa. W., que é ator e diretor de teatro, entra no processo, ele está sentado há quase 1h, com um dos silenciosos, e também veste preto. Alta interação com as crianças da praça. Indagações constantes: “É bactéria?”, “É teatro?”, “Não pode falar?”, “Vocês estão protestando o que?”, “Deviam colocar uma placa dizendo que hoje é o dia do cala boca”, “Me explica o que está acontecendo?”, “Dois ouvidos, dois olhos e uma boca para falar menos, não é?”. A propaganda não pára. O palhaço travestido disse que encenava o mutismo de Chaplin, que quem cala escuta muita coisa. Ele tem razão. O sol brando. Assumi a cadeira às 16:30h, só. N. E. e X. ficaram presentes e silenciosos comigo. O frio, a vertigem do olhar fixo, a resistência do corpo. Percebia a dinâmica do espaço ao redor e o nosso campo de concentração. Saí sem noção de tempo, havia passado 50'. Que bom seria se toda tarde passasse assim. Deixei X.. Uma moça tentava nos evangelizar com um panfleto. “Estou trabalhando”, “vocês estão trabalhando também, não é?” Ela sentou a nosso convite, vestiu a máscara e acompanhou X., por alguns minutos. E. chegou e sentou, sem a máscara, olhava inquieto ao redor. Não sei se devemos explicar ou instruir. Ainda existe um inconsciente coletivo? O palhaço sentou na cadeira. O público senta quando convidado. X. resiste, e a menina, negra, de cabelo curto, também. Éramos seis corpos, duas crianças na mesa, duas mulheres na cadeira, e mais duas atrás delas, todos mascarados.

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