CARTAS PARA UMA CURANDEIRA

I CARTA A UMA CURANDEIRA1


(…) você tem razão, devo cuidar de mim, primeiramente. Isso não vai mudar o mundo, vou me resolver comigo mesma, minha ânsia com relação a ele. Até aqui, mesmo sendo acusada de egoísta pelos que diziam me amar, no âmbito privado, estive ocupada com xs outrxs: na administração pública, nos movimentos sociais e culturais, na arte engajada, nas composições criativas, na estética relacional2, nas uniões amorosas, nas amizades… O silêncio foi uma reivindicação pessoal, um grito do meu Eu Maior3. Somente agora posso atendê-lo, escrever isso, sem culpa. E mesmo nele ainda ouço as vozes da humanidade que ecoam dentro de mim (…)

Pirenópolis-Go, 6 de Fevereiro de 2019.



II CARTA PARA UMA CURANDEIRA

(…) Hoje renasci… Isso aconteceu algumas vezes na minha vida, em que tive que morrer outras tantas, para poder ir me tornando esta mulher que estou sendo. Tenho tido momentos de epifania, como uma personagem de Clarice. Revelações súbitas. Sobretudo um encontro comigo mesma, no sentido universal. Ser, natureza, origem, identidade, essência, transcendência, tudo aquilo que julgava ter abdicado, na agonia de nada pertencer, de nada me conter, na angústia de nunca saber, na sede mesmo de criar, de me lançar no mundo que me engoliu algumas vezes e me vomitou, também... Há de se ter coragem para mergulhar em águas profundas e fôlego para retornar à superfície, sendo outra. Há de se ter coragem para admitir a potência das próprias sombras. A vida me convence a cada ciclo. Então, como em todo nascimento, chorei… Senti a sua mão em meu peito, expelindo a dor para fora, junto comigo. Senti o seu beijo em meu ombro, o meu beijo em seu ombro, as palavras de amor, os úteros quentes. O amarelo do jardim de inverno expandiu. O céu estava mais azul, a mata mais verde, a água cintilava e não havia medo, em mim. Escutei a legião que me acompanhava desde pequena. Nunca estive só. Matei o fantasma que me espreitava, ao meu redor. Vi outra vez aquela índia que me apareceu em um sonho de infância, na cozinha antiga da casa da minha avó, ao lado do fogão de lenha. Ela me olhava em silêncio, era minha irmã, tinha meu mesmo nome, nunca nos deixamos (…)

Morgana Poiesis, II carta para uma curandeira.

Pirenópolis-GO, 22 fevereiro 2019.


1 Taís Moreira, terapeuta holística (Naturopatia e Bioenergética).
2 “Além do caráter relacional intrínseco da obra de arte, as figuras de referência das esferas das relações humanas agora se tornaram formas integralmente artísticas: assim, as reuniões, os encontros, as manifestações, os diferentes tipos de colaboração entre as pessoas, os jogos, as festas, os locais de convívio, em suma, todos os modos de contato e de invenção de relações representam hoje objetos estéticos passíveis de análise enquanto tais.” BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
3 Atividade que participo na Comunidade Educacional de Pirenópolis- Coepi, com práticas de Bioenergética e Meditação Ativa facilitadas por Taís Moreira, inspirada pelo documentário Eu Maior (Fernando Shultz e Paulo Shultz), que reúne entrevistas sobre o sentido da vida humana, estimulando processos de autoconhecimento. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=V0gquwUQ-b0, acessado em 18 de Fevereiro de 2019.

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