MANIFESTO PERFORMATIVO

 

MANIFESTO PERFORMATIVO

Para escrever este manifesto, nos deixamos guiar pelos reflexos da nossa experiência no processo criativo da performance artística Esqueceram de Mim s/n, da qual participamos junto ao A-FETO, coletivo de dança-teatro dirigido pela artista, professora e pesquisadora Ciane Fernandes, que apresentamos na X Mostra de Performance da UFBA: Negríndios: imagem, corpo, violência e (re)presentação.

Durante o processo criativo da performance, que aconteceu entre encontros (Zoom) e diálogos (Whatsapp) virtuais, assim como na mostra online (Yotube), buscamos compor as nossas diferenças, sensibilidades, posicionamentos, condições e outras multiplicidades possíveis, buscando nos compreender em processo de des-construção constante, individual e coletiva. Partindo de questões como deficiências, invisibilidades, exclusões, violências e outras forças antropologofalocêntricas que se impõem aos nossos corpos, mentes e espíritos, pudemos perceber a nós próprias, aos outros e ao mundo enquanto fomos mediadas, abrindo abas infinitas de composições das nossas subjetividades polifônicas. Assim, nos a-fetamos e expressamos esses a-fetos, na busca de encontrar uma linguagem comum e fluida como a água ou o ambiente virtual.

O silêncio como lugar de escuta. A arte como lugar de fala. Assim apreendemos a realidade, problematizamos a cultura e manifestamos os nossos anseios. Não foi preciso ir muito longe no tempo ou no espaço para reencontrar a nossa ancestralidade trans-formada em crises de identidade e traumas culturais cada vez mais estimulados pelo capitalismo global. Ainda temos em nossos corpos as chagas coloniais que se manifestam como maiorias minorizadas e minorias majoritárias, em um jogo de forças sociais cada vez mais complexo e interseccional.

Refutamos, contudo, a posição de vítimas da história ou da vez. Abram alas que queremos passar com a nossa sede de criar, a nossa vontade de saber, a nossa capacidade de fazer, a nossa potência de r-existir.

Na dialética entre a necessidade de rompermos com os silenciamentos culturais das violências materiais e simbólicas que, ora somatizamos, ora reproduzimos de diversas formas, e ao mesmo tempo nos apropriarmos do silêncio como um exercício do cuidado de si contra os males da sociedade contemporânea do cansaço, em Esqueceram de mim s/n, nos apresentamos através de imagens e nomes de mulheres ou entidades femininas em diálogo direto com as temáticas colocadas pelo coletivo e pelo evento: Anastácia, princesa iorubá escravizada no Brasil, usando a máscara de flandres como instrumento de tortura; a modelo brasileira Brenda Costa, através do livro autobiográfico Bela do Silêncio, no qual ela escreve sobre os seus desafios como deficiente auditiva numa carreira internacional, ao passo em que problematizamos o padrão de beleza e de comportamento, fazendo colagens na capa do seu livro; imagens com a pergunta que não vai calar “Quem matou Marielle Franco?”; imagens da deusa egípcia do silêncio, Mereteseger, e da sua versão irlandesa, Senhora do Silêncio, ambas conclamadas em tempos de ruídos incessantes.

Entre o processo de abrirmos nossa performance com a identidade corpo-nome (pessoal) e encerrarmos corpo-afeto (coletivo), nos damos conta dos nossos privilégios como bípedes e supostas neurotípicas, assim como das nossas deficiências econômicas e tecnológicas. Tudo é relativo, basta mudar o ponto de vista. Contra os formalismos, os fluxos descontínuos. Contra os perfeccionismos individuais, as realizações coletivas. Contra as exclusões sociais, as artes dos encontros. Contra a homogeneização das nossas singularidades, as manifestações de nossas naturezas mais selvagens. Contra as produções da falta, a plenitude dos desejos. Contra as notas da censura, as vari-ações táticas dos sentidos.

Nos identificarmos por uma palavra composta, corpo-isso, corpo-aquilo é o que somos: múltiplos corpos em constante transformação. O corpo é nossa linhagem comum, isso ou aquilo é nossa identidade pessoal ou coletiva. Somos todas de uma mesma tribo de corpos indóceis, da performance artística, das artes cênicas e das linguagens outras que se corporificam através da intensidade dos a-fetos em jogo.

Após a experiência do processo criativo e da performance Esqueceram de mim s/n, nos tornamos mais sensíveis e conscientes da acessibilidade aos espaços públicos, especialmente por pessoas deficientes, negras, índias, mulheres e mães, assim como das violências domésticas de gênero evidenciadas durante a quarentena pela pandemia do COVID-19, que, naturalmente, atravessaram nosso processo coletivo de criação. A partir dessa experiência, podemos afirmar que o processo criativo nas artes é, não apenas um meio de cura, como também um meio de educação.

Morgana Poiesis, 2021.

 


 

Link para mostra online: X Mostra de Performance da UFBA


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