PARA AS ESCRITORAS DO MULHERIO DAS LETRAS: CARTA-CONVITE

 

Leitura da carta no VI Encontro Nacional do Mulherio das Letras, Rio de Janeiro, 2023.

VI Encontro Nacional Mulherio das Letras, Rio de Janeiro, 2023.


Caras escritoras,

venho, por meio destas mal traçadas linhas, abrir meu processo de pesquisa do pós-doutorado em Estudos da Linguagem, na Universidade Federal do Mato Grosso, por ora intitulada Mulherio das Letras: correspondências.

Meu primeiro contato com o Mulherio das Letras aconteceu em uma roda de conversas, com as escritoras de Brasília, na programação oficial da 10ª edição da FliPiri - Festa Literária de Pirenópolis, no interior em Goiás, em 2019. Ao encontrar um coletivo brasileiro de mulheres escritoras que o qualificavam como feminista, senti um forte convite a pertencê-lo.

Tendo conhecimento do movimento nacional, passei a acompanhá-lo nas redes sociais, e a publicar minhas produções literárias nos grupos do Facebook. Me chamava a atenção o modo colaborativo como o coletivo se organizava, através da internet. Ao retornar para a Bahia, comecei a participar do coletivo estadual, que produzia a sua segunda antologia. O e-book Tabuleiro de Poesia, organizado por Lia Cena, com edição de Chris Herrmann, foi lançado pelo Selo Ser MulherArte Editorial, em um evento online, no ano pandêmico de 2020. Nele publiquei dois poemas, Ritualísticas e Santo Antônio Descasamenteiro.

No mesmo ano, participei da chamada pública para a coletânea Mulherio das Letras Portugal Poesia, feita pela editora In-finita, em Lisboa, com edição de Adriana Mayrinck e lançamento virtual, publicando os poemas Maria e Ritualísticas.

Nesse período, acompanhei os movimentos do Mulherio das Letras Indígenas e, na oportunidade desta carta, cumprimento nossas parentas pelo lançamento do álbum biográfico Guerreiras da Ancestralidade, organizado por Eva Potiguara e Vanessa Raton, e publicado pela editora Amare, em 2022.

Há alguns meses, tenho participado do coletivo literário Maria Taquara, ligado ao Mulherio das Letras do Mato Grosso. O coletivo foi fundado em 2018, e, desde então, vem realizando oficinas de escrita criativa no estado, através de instituições como o SESC e a UFMT. Atualmente, essas atividades fazem parte do projeto de extensão Oficinas de Escrita Criativa do Coletivo Maria Taquara, coordenado pela escritora e professora Divanize Carboniere, na UFMT, onde desenvolvo parte da pesquisa in loco.

No decorrer dos encontros com as escritoras do Mulherio das Letras, o coletivo sempre me impressionava, seja pelas dinâmicas através das quais se construía, seja pelas suas atividades nas mais diversas funções da cadeia produtiva dos livros, especialmente nas produções de gêneros literários, seja pelo seu rápido desenvolvimento, não apenas em várias regiões do país, mas, também, internacionalmente, reunindo escritoras lusófonas em Portugal, Estados Unidos, Alemanha, Bélgica, Áustria, Argentina, entre outros lugares que supostamente eu não saiba ou venham a sediar esse coletivo que se multiplica. Me impressionava como um movimento iniciado no Nordeste brasileiro, mais especificamente na cidade de João Pessoa-PB, em 2017, tendo como uma das suas matriarcas a escritora Maria Valéria Rezende, se tornava uma potência literária mundial.

Somos criadoras, por natureza, embora ela não nos defina. Neste parágrafo, assumimos a segunda voz do plural que temos buscado construir em nossa epistemologia das artes, um nós que, por vezes, e por força da própria escritura, assim como do silêncio no qual ela se inscreve, corre o risco de se tornar demasiadamente abstrato. No Mulherio das Letras, diante das expressões de nossas identidades múltiplas, nos encontro: sujeitas literárias, escritoras brasileiras.

Aqui me permitam um eterno retorno à metalinguagem: escrever sobre a carta dentro da carta. Antes do meu encontro com o Mulherio das Letras, ao finalizar o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, na Universidade Federal da Bahia, em 2013, quando já aplicava a cartografia como método em processos criativos experimentais, produções culturais colaborativas e pesquisas em artes, fiquei intrigada por ter reproduzido, na minha dissertação, o peso da escrita acadêmica. Então, publiquei o Ensaio para uma escrita performativa, em um periódico do PPGAC/UFBA, anunciando a carta como meu novo gênero literário e acadêmico.

Assim, iniciei um projeto experimental de escrituras de cartas para artistas, sobre nossos processos criativos, tendo respostas imediatas de poetas e poetisas, as quais recebi como uma forma de reconhecimento literário, ao seu estilo. Entre os anos de 2013 a 2019, organizei algumas cartas de minha autoria em livros-objetos artesanais, intitulados Epístolas Profanas, expondo em feiras de publicações independentes, e circulando como escritora e livreira autônoma, em cidades de diversas regiões brasileiras.

Ao mesmo tempo, não satisfeita com a palavra escrita, como artista cênica, passei a interpretar as cartas e compartilhá-las com testemunhas, através de performances artísticas realizadas em eventos culturais, tanto dentro de espaços institucionais, como nas ruas.

Ainda não satisfeita com as performances literárias e cênicas das cartas, observando que elas se tornavam cada vez mais conceituais, na medida em que questões teóricas atravessavam suas tessituras, passei a desenvolver a Cartografia Epistolar como método de Pesquisa Performativa. Em 2019, defendi a tese Epístolas Profanas: performances dos silêncios manifestos, no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Performances Culturais, na Universidade Federal de Goiás. Trata-se de uma tese epistolar composta integralmente por cartas que troquei com leitoras, artistas, testemunhas, colegas, professoras, alunas, pesquisadoras, amigas e demais interessadas, entre outras destinatárias imateriais e fictícias, pensadoras consagradas, cidades e entidades personificadas, personagens artísticas e conceituais. As cartas que compuseram a tese referiam-se às questões emergentes das nossas experiências com performances artísticas e suas implicações éticas, poéticas, estéticas e políticas, configurando-se como uma síntese entre gênero de arte e crítica cultural.

Em minha pesquisa atual, que abro para vocês através desta carta, convido-lhes a serem minhas correspondentes. Proponho uma troca de cartas com as escritoras do Mulherio das Letras, sobre suas coletâneas, antologias e coleções publicadas enquanto tais. Caso aceitem meu convite, suas cartas deverão ser enviadas para mim até o dia 31 de março de 2024. Ao final desta carta, disponibilizo meu endereço eletrônico para envio. Caso alguma escritora ou coletivo prefira enviar cartas físicas, basta me solicitar por e-mail o endereço postal. Essas cartas trocadas entre nós, as quais tenho denominado literárias, serão publicadas em um blog, que será criado e editado por mim, e, posteriormente, utilizado como fonte de consultas e citações, para produção das denominadas cartas acadêmicas. Estas, por sua vez, serão escritas e enviadas por mim para publicações em periódicos especializados. Por isso, é importante que todas as escritoras autorizem as publicações das suas cartas integrais no referido blog, para fins de pesquisa. As cartas literárias, trocadas com vocês, também poderão ser publicadas nos grupos do Mulherio das Letras e outros meios de comunicação, a critério das respectivas autoras. Demais acordos poderão ser estabelecidos, no decorrer desse processo dialógico de criação e pesquisa.

A princípio, me interessa saber as histórias da formação de cada coletivo, como tem se organizado para dar vazão às suas produções, bem como o processo criativo de suas escritoras. Para além da produção de uma cartografia epistolar com o Mulherio das Letras, desejo, através dessas correspondências, encontrar sujeitas plurais em suas manifestações de gênero na linguagem, levantando algumas questões que podemos considerar nossas: o que, como, por que, para quem, de onde escrevemos? Quem somos nós, o que há de comum e específico em cada escritora ou coletivo? De que tratam nossas coletâneas, antologias e coleções, como são organizadas, financiadas, publicadas, lançadas, vendidas? Quais são nossos projetos e perspectivas? Como tem sido a recepção dos públicos e das críticas? Por fim, quais são os possíveis diálogos entre a teoria e prática, a literatura e os demais gêneros do conhecimento? Podemos supor que, além do princípio comum da palavra, a poesia seja uma aliada entre ambas? É possível, através de cartas literárias e acadêmicas, construir uma rede poético-conceitual capaz de resistir às representações hegemônicas dos pensamentos? Quais são as implicações das identidades de gêneros e suas intersecções nesse fazer-saber gestado e parido sob estruturas, ainda, patriarcais?

Acredito que teremos muitos assuntos a tratar por meio dessas correspondências, mais do que posso vislumbrar agora, especialmente depois da minha primeira participação em um encontro nacional do Mulherio das Letras, que já têm seis anos de uma próspera existência.

Espero poder contar com vocês, neste itinerário poético-conceitual.

Saudações,

Morgana Poiesis

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