AUTOAVALIAÇÃO DA ATIVIDADE DE RUA DO CURSO LIVRE DE TEATRO DA UFBA

Pelas dificuldades de tempo em que me encontro para dedicar-me às atividades do Curso Livre, sobretudo àquelas que demandam tempo de estudo e exercício para além da carga horária prevista, escolhi uma colega da universidade para inspirar minha personagem. A conheci recentemente (cerca de 3 meses), e procurei estar o mais próxima dela durante o período de investigação e e construção da personagem. Adentrei seu universo pessoal sem dificuldade, por compartilharmos de algumas afinidades e desejos. Fomos ao cinema. Durante os exercícios de construção da personagem, estive muito presa às características pessoais de L., 25 anos, filha, artista, atriz, performer e professora. Ela me levara às imagens de Mafalda e Pedrita. A princípio pensei que a minha personagem, como performer, faria uma intervenção poética numa fila de espera, tal como em o projeto de pesquisa de L., que explora a questão da presença durante o vazio das filas de espera. Mas tive a impressão de que a personagem que construíra estava muito próxima do meu próprio desejo. Isto me trouxe também muitas dúvidas sobre o meu processo de formação em performance e teatro, ao mesmo tempo. Tentando me aproximar desta última linguagem, produzi, em sala de aula (laboratório) um segundo conflito que também não se sustentara, o que seria enviar um vídeo como tentativa de reaproximação com uma mãe ausente, o que se daria numa fila de espera no correio. No recesso dos festejos juninos, no qual me distanciei do excesso de trabalho na cidade de Salvador-BA, onde sou recém chegada, elaborei uma segunda personagem chamada Emília, 30 anos, grávida, solteira e indecisa. Elaborei dados sobre a sua vida pessoal e profissional. A ação seria fazer as unhas num salão de beleza, e estabelecer um diálogo sobre uma questão do aborto. Queria um salão que fosse relativamente próximo à escola de teatro, ao qual eu pudesse ir andando. Queria também um ambiente popular, onde fosse mais provável estabelecer relações de afeto, como a informalidade de uma conversa. Escolhi o Salão Ellen Fashion, na Rua Comendador José Alves Ferreira, 105, Garcia. Não experimentei em sala de aula a personagem que havia criado no papel, e que se distanciara das duas primeiras tentativas, pois me ausentei nas aulas anteriores ao recesso, por motivo de viagem para outros trabalhos, e ao retornarmos, nos ocupamos em compartilhar verbalmente os roteiros elaborados. Emília chegou no salão de beleza na quinta feira, por volta das 9:15 da manhã, e logo foi atendida por uma manicure bastante comunicativa, que facilitou o diálogo. Em pouco tempo de conversa, na qual E., 23 anos disse ser mãe de um filho de cinco, Emília confessara estar grávida e indecisa quanto à questão da maternidade. E. logo falou sobre a sua experiência como mãe. A manicure ao lado, M., mãe de dois filhos, fazia algumas interferências na conversa. Mas não consegui expandir o raio de ação dramática para o número máximo de mulheres presentes, o que era o meu objetivo, pois o conflito ia ganhando uma atmosfera íntima, a qual se refletia em minha voz e postura. Como E., a manicure, manifestava uma opinião contrária ao aborto, e insistia na maternidade, Emília manifestava uma inclinação à recusa, para sustentar o conflito, neste caso, a dúvida. Senti que uma carga dramática foi despendida na cena quando Emília disse: Já comprei o remédio. A manicure reagira de imediato: Joga isto fora! Penso que a reação reflete o nível de envolvimento entre a manicure e a personagem. E. falou da ilegalidade do aborto e relatou experiências sobre amigas que não resistiram ao procedimento caseiro, e morreram. Emília reforçou a questão da ilegalidade e falta de assistência médica e psicológica às mulheres que o provocam, o que interfere em seus questionamentos existenciais. Penso que este diálogo foi importante, embora restrito. Tentei dar uma ar de naturalidade à conversa, o que implica em momentos breves de silêncio e outros assuntos. Logo Emília retornava à sua questão, estava aflita, queria desabafar enquanto garantia sua auto-estima. A conversa com a manicure fizera Emília repensar a questão do aborto/maternidade. Mas ela sustentara a dúvida, eternizara o conflito. E. se despediu da cliente assim que cumpriu a sua função, Emília agradeceu pelo serviço e pela conversa. Pediu água enquanto esperava o troco, deixou o salão com unhas vermelhas, pensando no impacto que aquela conversa pudesse ser causada em E., a manicure, e sentindo estes impactos em seu corpo. Nenhuma informação faltou com relação à história da personagem. Acho que deveria ter feito mais exercícios de voz, minha maior dificuldade técnica, pois, envolvida com o diálogo que se construía na cena, não consegui me ocupar deste aspecto. Acho que ter interrompido a leitura de Stanislavsyky (pelo excesso de atividades do fim do semestre), ao qual retornarei, prejudicou na construção de uma cena realista, compreender melhor o seu processo. Para além dos detalhes estéticos, penso que a minha maior falha foi não ter expandido a discussão para todas as mulheres presentes, o que se mostrava absolutamente possível, talvez pela deficiência de trabalho prévio. Lamento que a minha personagem tenha reproduzido o comportamento de muitas mulheres, ao dar um tom demasiadamente pessoal a um tema público, a partir da sua experiência, com a qual me envolvi emocionalmente.

2011

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